quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

A DANÇA DA CHUVA

A Dança da Chuva, de Fragata de Morais
Ana T. Rocha
Fundação Dr. António Agostinho Neto


A dança da chuva (Menção Honrosa – Prémio Sonangol de Literatura/PALOP) é o mais recente livro (2016) de Fragata de Morais, publicado pela União dos Escritores Angolanos. Neste romance conhecemos Fernando, um sujeito-narrador solitário, autocentrado, arrogante e orgulhoso da sua racionalidade e ceticismo. Contudo, ao longo da história, a personalidade, que Fernando pensa ter terminada e inabalável, vai sofrer alguns abalos, enchendo-se de contradições. Apesar de alguma secura nas suas relações sociais e humanas, Fernando é sensível e suscetível, pelo menos, em relação à arte (literatura, pintura, música e cinema) e é esta sensibilidade e vulnerabilidade, afinal, que o vai trair e coloca-lo em conflito consigo próprio, devido aos acontecimentos paranormais e outros, simplesmente humanos, que vai experienciando. Se no início Fernando parece, na sua altivez e isolamento, carecer de empatia em relação aos que com ele se cruzam e o procuram, mais tarde, a sua quase-crise identitária vai, se assim o pudermos dizer, humanizando-o, pois, a verdade é que, no começo do romance, Fernando chega a inquietar o leitor devido ao seu desdém pelos outros, seus preconceitos, machismo, homofobia e egoísmo. Ironicamente, as suas características voltam-se sempre contra ele: renitente ao comprometimento com os outros, termina envolvido na vida privada de Selina, Sessenta e Elisandra; o seu ceticismo converte-se em reza quando dele se aproxima um gato que teme de maneira irracional; o seu machismo e homofobia são atacados numa cena (repleta de estigmas) de sexo no Brasil. Nestes sete capítulos, antecedidos, cada um, por uma epígrafe sempre muito bem escolhida, o estilo de Fragata denota o trabalho de lima na linguagem cuidada escolhida (mesmo para as falas das personagens!) e uma busca de envolvimento com outras artes nas descrições de alguns ambientes e cenários (música e um visualismo cinematográfico). Merece, contudo, uma revisão para próximas edições, pois não foi difícil encontrar-lhe várias gralhas.