AMORES
Os
subordinados há muito que o aguardavam, impacientes, às vezes até barulhentos.
Sempre atrasado, talvez pensasse que quem não chega atrasado não é
reconhecido.
Coisas da
infância, quem sabe, talvez alguma rejeição pela qual todos pagavam.
A porta
abriu-se e ele entrou, erecto e sorridente, como sempre. O silêncio desceu
natural, enquanto todos se levantaram.
Bem, quase
todos.
O Nandinho,
como não ultrapassava o metro e quarenta, (precisos 140 centímetros, o bilhete
de identidade estava lá para o comprovar), permanecia sentado. De pé ou
sentado ninguém o percebia, portanto...
O chefe, um
general aposentado precocemente, com gesto magnânimo de mão, comandou as
tropas, (as minhas tropas, como ele gostava de referir em reuniões restritas)
para se sentarem.
- Estou com
um ligeiro atraso...
Logo o
Nandinho se levantou e, empertigado, falou:
- Não chegou
atrasado, senhor Presidente Director Geral...
Faço aqui
uma curta pausa pedagógica para dizer que era assim que o general precocemente
reformado gostava de ser tratado. Presidente Director Geral. Por extenso e bem
articulado, com todas as inflexões que o nome do cargo e a patente requeriam.
Nada de PDG, como alguns livres-pensadores da Empresa, certamente que nunca
teriam passado por um quartel, ousaram fazer uma única vez. Isso
de alta hierarquia ser tratada por PDG, PCA, DG, SG, não era para
ele. Nos gabinetes militares nunca fora chamado por Gen, Gnrl ou qualquer outro
mimo menos castrense.
Voltemos ao
Nandinho que, esticado por hábito, a tentar alcançar inconscientemente
pelo menos os 148 centímetros (a sola e os tacões do sapatos especiais elevavam-no
aos 145), dizia:
- Não chegou
atrasado, senhor Presidente Director Geral, nós é que chegámos adiantado.
A plateia,
olhou pasmada para aquele gigante do lambe-botismo, aquele Zeus dos engraxates
administrativos que se alcandorara ao posto de instrutor
processual. Para si talhado há pouco tempo, sob a sua mais
atenta e providencial sugestão.
Com
tanto despudor evidente, conseguia ser secretamente reverenciado por um ou
outro dos colegas, com aquele inveja que se deve aos destemidos ou aos mais
ousados que nós. Um desses admiradores, no caso admiradora, era a Teresa, uns
dez centímetros mais alta, e que suspirava sempre que ele entrasse no departamento
onde era contabilista. Como é sabido, é por aí que começam as instruções
processuais, portanto não eram poucas as vezes que o Nandinho, a pretexto de
verificar uma qualquer factura ou processo, colocava por lá o nariz,
sempre olhando a Teresa de soslaio.
A Teresa, é
uma versão amarela, aquele amarelo de mulata que nunca vai à praia, feminina e
diminuta do King Kong. Mas tinha um coração de ouro e curioso. Quando o
Nandinho se chegava com aquelas intimidades supostamente
administrativas, fixava com interesse para as suas mãos extensas e
suspirava, sonhadora. Seria verdade o que se afirma sobre os homens com mãos
grandes? Em seguida olhava para o nariz dele e hesitava.
Mãos... não serão narizes?
Fosse o que
fosse, o resultado seria o mesmo, até porque o proboscis do Nandinho era de
igual notabilidade.
- É verdade,
senhor Presidente Di-re-ctor Geral (teve o cuidado de sublinhar a palavra
director, não fosse entender-se direitor e deitar tudo a perder junto ao
Nandinho). Nós é que nos adiantámos.
E sem espaço
para enleios, reafirmou a intervenção do Nandinho, só com mais veemência e a
olhar di-re-cta-men-te para os seus olhos:
- Não chegou
atrasado, senhor Presidente Director Geral, nós é que chegamos adiantado.
Todos viram
o ruborizar agitado do Nandinho que, apanhado desprevenido por aquela
declaração pública de amor, manteve-se de pé a olhar para a Teresa, envolto em
só ele sabia o quê.
Quanto tempo
teria passado?
Nunca o
soube, mas foi ao quarto tossir rouco do senhor Presidente Director Geral, que
os dois se sentaram, envergonhados mas com o coração em louca cavalgada pelas
planícies escancaradas da emoção.
Em breve, de
papel passado e com o senhor Presidente Di-re-ctor Geral a servir de padrinho,
a Teresa iria desvendar aquela dúvida sobre as manápulas dos homens. Ou seria
dos narizes?...
In Memórias da Ilha
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