SÍLVIO PEIXOTO
Jurista
de profissão,este jovem escritor teve a sua vida abruptamente ceifada num
acidente de aviação, pelo que só escreveu um livro e do qual se extraíram os
contos aqui inseridos. Nasceu em Kalandula, Malanje, a 27 de Novembro de 1963, tendo
falecido a 17
de
Junho de 1995.
A RIVAL
Se
alguém alguma vez ouvir falar da minha história, há-de com certeza desculpar-me
pela maneira rude e bravia como uso os termos.
Esta
história é um foguete moral dirigido aos corações daqueles que não acreditam no
amor, daqueles que são murchos e fechadiços como o Everest. Vou ser breve
porque cada minuto que levo em desabafar arruína a sensibilidade interna do meu
ser.
Para
começar tenho a dizer que nós, as mulheres, somos um violino: a música que
emitimos depende de como os homens tocam as nossas cordas musicais, o ritmo
suave e pontiagudo do nosso erotismo sensual.
Conheci-o
no aeroporto de Luanda, num dia de frio e nublado. Era a encarnação material de
todas as ilusões motoras que uma mulher como eu, viúva e não muito bonita podia
ambicionar.
Senti-me
violentamente atraída como se eu fosse a epiderme para o seu corpo, como se ele
fosse o pulmão para o meu aparelho respiratório.
Sentou-se
ao meu lado na sala de espera e saudou-me com uma vénia de gentileza.
Respondi-lhe com um monossílabo ininteligível, ao mesmo tempo que sentia o
coração feito uma rocha dinamitada cujos fragmentos esvoaçavam pelo meu corpo e
obscureciam a vista.
Apaixonei-me,
viúva como era nos meus vinte e cinco anos de vida. Já não usava o negro, é
claro.
Já
no ar, desapertei o cinto de segurança e dispus-me a passear pelo corredor do
avião, mais para vê-lo do que propriamente desentorpecer os músculos. De
repente ele voltou-se também e nossos olhares se cruzaram, insistentes.
Aproximou-se e perguntou-me da
viagem.
Respondi-lhe que ia bem e deu-me um cigarro.
Quando
chegou ao Lubango eu já tinha o seu nome, Eurípedes, e o seu telefone. Sete
dias depois rendi-me totalmente à evidência dos factos e começamos a namorar.
Ele era o meu Euípedes, eu era a sua Lutércia.
Deu
um sentido á minha vida, purificou totalmente o cantinho das minhas vibrações
femininas e o meu passado esfumou-se, dando lugar a um presente radioso. Eu era
a sua Lutércia era bom de pronunciar. Sentia-me uma menina cheia de sonhos por
encabritar.
Entretanto,
como escritor, a fama de Eurípedes começou a crescer. Transladava de alegria no
início mas depois, ano imaginá-lo rodeado de admiradores, pensei que muitos
deles podiam ser mulheres e então ele não seria só meu. Seria uma espécie de
oceano para todos os cardumes.
Um
escritor famoso preocupa sempre uma amante por ele enamorada, pois é sabido que
todos escritores deste mundo são uns levianos, sem execepção. Desculpa-me
Eurípedes, mas também tu, por seres escritor, és um leviano.
A
minha casa, no bairro da Minhota, começou a ficar rodeada de amigos, de entre
os quais raparigas mais jovens e bonitas do que eu, o que me preocupava
seriamente.
Não
podendo por mais tempo conter o braseiro angustiante que me assolava a alma,
perguntei-lhe com muita meiguice, na cama, se ele tinha outra amante, alguém
que o amava tanto mais do que eu.
Ele
beijou-me até ficar sem respiração e quando esperava que nada mais diria,
respondeu-me que sim, que tinha uma amante, bonita e interessante, emancipada,
terna, etc, Eu nada mais disse pois sentia-me como o que trespassada por uma
espada.
Desde
então a minha vida passou a ser um pesadelo mas eu queria-o muito e esperava
que ele decidisse se quem de entre nós as duas, embora eu me sentisse já
moralmente derrotada. Uma lei da vida que tinha que aceitar. Ele dotara a minha
vida amorfa de uma fertilidade sensacional, ele tornaria a tirar a vida que
dera á minha vida.
Sentido
as minhas preocupações. Eurípedes disse-me que daí
a dois dias me apresentaria a mulher que amava verdadeiramente,
minha rival, e eu sentindo-me ultrajada e humilhada quis negar,
mas a curiosidade de conhecer a sua amante foi
maior que tudo o resto e aceitei,
portando-me como uma mulher educada.
Quem
seria a minha rival?
Seria
a minha melhor amiga? Uma das minhas coligas de serviço, a minha vizinha que
tinha vinte anos e só se vestia á moda?
Quem
seria a minha rival? Alguém a quem eu já dera uma aspirina ou emprestara o
ferro de engomar, quem?
No
dia marcado eu tremia como varas verdes e havia emagrecido um quilo, segundo me
revelar a balança. Ajeitei-me como pude e deixei-me conduzir por ele pelas ruas
da cidade até um apartamento bem mobilado, melhor que o meu. Fez-me sentar e eu
esperava o todo o momento vê-la irromper de qualquer canto para cair nos braços
dele e beijarem-se esquecidos de mim.
Esperamos
dez minutos sem que ninguém aparecesse e o telefone tocou, fez um «oh!» e uma
cara entristecida, o que me deu a entender que ela desculpava-se por não vir.
Cortou a ligação.
Disse-me
que ela não viria que mesmo assim eu não me preocupasse que depois de ver um
álbum dela a reconheceria de certeza.
Trouxe-me
o álbum. Na primeira página estava ele, risonho.
Senti
o ritmo do coração mais acelerado enquanto eu desfolhava o álbum. Uma exclamação
de espanto escapou-se-me dos lábios, enquanto os meus olhos se dilatavam de
admiração e o álbum caía ao chão. Ele acenou afirmativamente. Não havia
dúvidas. Era a minha rival.
Tornei
a olhar segunda vez para ter a certeza de que não me enganava. Não. não havia
engano. Era a minha rival. Era eu mesma, Lutércia, que estava representada
naquele álbum.
Fora
tão ciumenta que me tornar rival de mim mesma.
In
O Abraço da Guilhotina,
União
dos Escritores Angolanos
Silvio Peixoto foi sem duvida um dos escritores que mais lutou pela dignidade dos escritores e juristas Angolanos. natural de Malange filho de um Pastor da igreja Metodista Unida.
ResponderEliminarQue Deus lhe guarde no Céu como lhe guardamos nós nos nossos corações.
Silvio Peixoto Pseudónimo literário de Pedro da Silva de Morais, nasceu em Malange é filho de pastor da Igreja Metodista Unida. Foi um incansável na luta pela dignidade dos escritores e Juristas Angolanos. Silvio Peixoto ou Pedro da Silva de Morais foi ainda Director da direcção Jurídica da TPA e da Maboque, foi presidente da SADIA , foi júri do premio Maboque de Jornalismo. Um dos seus primeiros livros foi prefaciado por Jofre Rocha pseudónimo de Alberto de Almeida actual vice presidente do MPLA.
ResponderEliminarPedimos a Deus que lhe guarde no Céu como lhe guardamos nós nos nossos corações.
No link abaixo, estão varias obras de Silvio Peixoto ou Pedro de Morais.
ResponderEliminarhttp://memoria-africa.ua.pt/Catalog.aspx?q=AU peixoto, silvio