quinta-feira, 1 de novembro de 2012

BATUQUE MUKONGO






17
Chegada a hora parti
do verde Cazengo
subi os morros do futuro
ja longe do meu quarto onde as manhãs
suplicavam nos dentes do meu avô
e reconstruiam o viveiro dos pássaros
as casas toscas dos macacos
o cantarolar de minha mãe
sobrepondo-se ao longínquo ruido
das máquinas do café junto ao secador
onde os meus pés
eram repasto das matacanhas
almoço dos mauindo
jantar das ovitakaia
naquela doce dor do coça-coça
que só acabava com o perfurar do saco
pela agulha mestra na mão de minha mãe
da lavadeira
ou qualquer outra mais velha
que me xingava
com longos muxoxos
a cheirar a tabaco
filho do branco com matacanh’ééé
não tem vegonha não tem vergonh’ééé
o mona yá mundele
naõ tem matacanha uevu
não podia ser africano
africano branco não existia
muito menos branco africano
branco africano não existia
pouca terra pouca terra
pouca terra
para uma longa guerra fera
sentiam que branco africano
era de pouca sobra
era filho da cobra
sem espaço nessa obra
mas estes tinham um braço negro
e pouca terra pouca terra
não mais foi quimera
desceram o rio
subiram a serra
sentiram frio
conheceram o medo
aprenderam feitiços
conheceram chirangas
envolveram-se de missangas
e artes de fechar o corpo
para nunca ser morto
pelos poros abertos
penetrou na mente
a frescura da nova semente
a nova África na forja
mão negra na mao branca
no coração de Angola
na luta pela mesma mãe
feita de terra vermelha
de onde saía trémulo o salalé logo jinguna
de onde caiam das árvores
as larvas aleitadas
em katatu transfomadas
tudo eles beberam
tudo eles comeram
chupados os ossos
arrotado o marufu
lambidos os dedos
vencidos os medos
andaram por todos os caminhos
mão de branco na mão negra
abriram sulcos perenes
na terra esventrada
no zunir sibilante da bala inimiga
no vup vup vup das pás circulantes
dos helicópteros traiçoeiros
vup vup vup para a morte
vup vup vup para a vida
vup vup vup para os sem sorte
chamados para outro norte
vup vup vup asas de metal
enchidos de balas os corpos dos feridos
o medo estampado no esgar
do soldado que mal compreendia
porque matava em terra alheia
gente que mal não lhe fizera
e os olhos vitros dos mortos
colados perdidos no caleidoscópio
das pás girantes das aves metálicas
vup vup vup
desafiando o tempo
pelo fio dos anos
a reinventarem a História
olhares dos antepassados
chamados pelo batuque
do colono vup vup vup
em pás girantes
nas sombras da noite africana
nos caminhos dos pirilampos
acende-apaga
acende-apaga
almas errantes dos que morrerm longe do umbigo
de todos os umbigos da bela pátria anunciada
numa estrela de amarelo brilhante
em bandeira negro-rubra feita pátria
tecida com fiapos de dor
amor e esplendor
sangue escorrido
nos trilhos cambaleantes
onde irmãos se perderam
peões dum mundo alheio
nem preto nem branco
degladiando-se pelo ovo por nascer
defendendo visões não suas
com o abismo sempre a crescer
cavado pelo odor do petróleo
ofuscado pelo brilho dos diamantes
África órfã de mãe
África apagada no horizonte do sofrimento
empurrada para ravinas profundas
ravina capitalista
ravina marxista
ravina leninista
rasgando teus seios mãe África
de chirangas brancos
tocando chingufos africanos
escavando de tuas entranhas
minérios de ti incógnitos
África pouca terra
pouca terra pouca terra pouca terra

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