domingo, 7 de outubro de 2012

BATUQUE MUKONGO





15
Subi ao morro mais alto da memória
a afagar as primeiras
calças compridas
de ganga azul
os homens louros com crianças de olhos azuis
imbambas empilhadas em carrinhas camiões
turismos
em filas exaustas e assustadas
provenientes do Kongo
agora despido dos belgas
flamengos
portugueses
franceses
observava os rostos contritos
mágoas mal enganadas
gargantas ressequidas pela poeira
a soltarem a informação amarga
que não entendia
no meu francês inexistente
onde brilhava uma palavra
repetida vezes sem fim
Lumumba
Lumumba
Lumumba
repetida em sussurro na voz do meu pai
Lumumba
repetida em interrogação
na voz assustada de minha mãe
Lumumba
um eco por África toda
que fustigou os impérios coloniais
Lumumba
na boca dos belgas
Lumumba
na boca dos portugueses
dos franceses
dos ingleses
Lumumba na boca do mundo
ora santo ora diabo
amaldiçoado nos gabinetes metropolitanos
onde temiam todos os feiticeiros
anunciadores da nova hora
fazedores de ventos que virariam tempestade
que soprariam gélidos para uns
fervilhantes para outros
esculpidos nos rios magestosos
nos lagos e lagoas das planícies
nas azagaias e porretes bosquímanes
nas pedras monumentais do Zimbabué
ventos novos a serpentear
pelas densas florestas equatoriais do Uganda
soprados nos desertos do Namibe Kalahari
na costa dourada do Gana
nas brisas de Abomé
na ilha distante Madasgáscar
nos caminhos antigos de Shaka
o zulu rei dos reis

16
Na minha varanda da casa comboio
pouca terra pouca terra pouca terra
ameaças pragas e vómitos
anunciando cataclismos
o fim do mundo sem belgas
alastrando pelas plantações abandonadas
pelas minas nunca fechadas
corroendo como cancro o país inteiro
África morrerá
sem nós asfixiará
África soçobrará
sem nós se afogará
cientes de que Lumumba viveria
respandiria pelo continente
tranformado em pirilampo dos desejos e aspirações
que tanto acendem tanto apagam
nos corações das gentes
resplandesceria nos bagres
de todos as águas continentais
no saltar ágil de galho em galho
do macaco
no andar silencioso da onça
no voo soberbo da águia
no plainar gracioso das andorinhas
na força do pau takula
no brilho do ébano preto
na minha varanda da casa comboio
naquele momento de espanto
não sabia como perguntar
quem era aquele homem
que tanto terror produzia
e acendia fogos nas almas
labaredas ímpias nos corações
quem é esse Lumumba pai
não fales esse nome
somos portugueses
não belgas acagaçados

Lumumba é só uma visão

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