15
Subi
ao morro mais alto da memória
a
afagar as primeiras
calças
compridas
de
ganga azul
os
homens louros com crianças de olhos azuis
imbambas
empilhadas em carrinhas camiões
turismos
em
filas exaustas e assustadas
provenientes
do Kongo
agora
despido dos belgas
flamengos
portugueses
franceses
observava
os rostos contritos
mágoas
mal enganadas
gargantas
ressequidas pela poeira
a
soltarem a informação amarga
que
não entendia
no
meu francês inexistente
onde
brilhava uma palavra
repetida
vezes sem fim
Lumumba
Lumumba
Lumumba
repetida
em sussurro na voz do meu pai
Lumumba
repetida
em interrogação
na
voz assustada de minha mãe
Lumumba
um
eco por África toda
que
fustigou os impérios coloniais
Lumumba
na
boca dos belgas
Lumumba
na
boca dos portugueses
dos
franceses
dos
ingleses
Lumumba
na boca do mundo
ora
santo ora diabo
amaldiçoado
nos gabinetes metropolitanos
onde
temiam todos os feiticeiros
anunciadores
da nova hora
fazedores
de ventos que virariam tempestade
que
soprariam gélidos para uns
fervilhantes
para outros
esculpidos
nos rios magestosos
nos
lagos e lagoas das planícies
nas
azagaias e porretes bosquímanes
nas
pedras monumentais do Zimbabué
ventos
novos a serpentear
pelas
densas florestas equatoriais do Uganda
soprados
nos desertos do Namibe Kalahari
na
costa dourada do Gana
nas
brisas de Abomé
na
ilha distante Madasgáscar
nos
caminhos antigos de Shaka
o
zulu rei dos reis
16
Na
minha varanda da casa comboio
pouca
terra pouca terra pouca terra
ameaças
pragas e vómitos
anunciando
cataclismos
o
fim do mundo sem belgas
alastrando
pelas plantações abandonadas
pelas
minas nunca fechadas
corroendo
como cancro o país inteiro
África
morrerá
sem
nós asfixiará
África
soçobrará
sem
nós se afogará
cientes
de que Lumumba viveria
respandiria
pelo continente
tranformado
em pirilampo dos desejos e aspirações
que
tanto acendem tanto apagam
nos
corações das gentes
resplandesceria
nos bagres
de
todos as águas continentais
no
saltar ágil de galho em galho
do
macaco
no
andar silencioso da onça
no
voo soberbo da águia
no
plainar gracioso das andorinhas
na
força do pau takula
no
brilho do ébano preto
na
minha varanda da casa comboio
naquele
momento de espanto
não
sabia como perguntar
quem
era aquele homem
que
tanto terror produzia
e
acendia fogos nas almas
labaredas
ímpias nos corações
quem
é esse Lumumba pai
não
fales esse nome
somos
portugueses
não
belgas acagaçados
Lumumba é só
uma visão
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