terça-feira, 1 de novembro de 2011

MEMÓRIAS DA ILHA - Crónicas


CONSELHOS E CONSELHEIROS

A sabedoria popular é abundante tanto quanto a conselhos quanto a conselheiros, já que sem uns e nem os outros se viveria.

Pessoalmente, sou muito dado a aconselhar, talvez por ter atingido aquela idade em que um homem torna-se membro do nobre grupo de sekulus que envolve a sabedoria, aquele grupo de gente de idade que se alegra em fornecer alvitres porque já não consegue ou pode dar maus exemplos.

Em geral o conselho vem do coração, quando não da alma, a não ser o conselho que visa o mal, a malandrice, o lixanço do próximo, embora os cínicos afirmem que os melhores conselhos vêm dos piores homens.

Sobre os conselhos, há os pedidos e há os oferecidos e sobre isso, gostaria de vos contar uma pequena história, creio que das “Mil e Uma Noites” aquela peça maravilhosa e imorredoura da literatura universal que muitos de nós tiveram a felicidade de ouvir lida ou de ter lido.

Havia um camponês que era dono de um burro e de um boi, que ele muito acarinhava. Todavia o burro, que repousava muito mais da lavoura do campo, engordara, enquanto o boi, pela razão inversa, começava a ter um ar abatido, sofredor. Preocupado, como qualquer um de nós o faria, o bovino foi buscar conselho junto ao amigo:

“Diz-me lá ó irmão, o que devo fazer para me livrar um pouco deste trabalho pesado?”

Desejando ser solícito, também vaidoso pela consulta que o colocava um pouco acima, o burro não se fez rogado e aconselhou:

“Olha, finge que estás doente e não comas a comida toda, logo verás que o amo te deixará em paz.”

Efectivamente assim aconteceu. O lavrador vendo o boi doente deixou-o no curral e levou o burro para puxar o arado de madeira, o dia todo, durante dias sem fim. O burro conselheiro, percebendo-se um conselheiro burro, lamentou o tempo todo o conselho que oferecera.

O boi, regalado na nova situação, um dia não resistiu indagar ao burro:

“Então irmão, diga-me lá, como te vai a vida?”

O burro, que há muito esperava pela pergunta, fez um semblante de preocupado, chegou-se ao boi em confidência, e sussurrou-lhe:

“Na verdade não me queixo, mas ando muito preocupado contigo. No outro dia ouvi o nosso dono dizer, que se tu continuasses doente, iria abater-te para não se perder a carne toda. Acho que deves comer a tua ração por completo, e voltares ao trabalho a fim de que a vida te seja poupada.”

Não será necessário contar o resto da história, estou ciente, resta-nos perceber ou constatar que, na verdade, e quase como regra, quando alguém nos pede conselho, está apenas a procurar que se concorde com ele naquilo que já pensou ser o caminho a tomar.

E, muito mais do que isso, também nos ensina que devemos, ou quando achamos que devemos solicitar conselho, o façamos não só a quem nos pareça pleno de sabedoria, mas sobretudo a quem nos ame muito.

07|08|05

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